Lutero no início, ainda quando monge, sentia-se perturbado pela expressão “justiça de Deus” em Romanos 1.17: “Porque nele se descobre a justiça de Deus de fé em fé, como está escrito: Mas o justo viverá da fé”.
Ele tentava garantir sua salvação através de orações, jejuns, vigílias e boas obras. Porém, nada disso deixava sua consciência totalmente tranquila. Ora sentia desespero pelos pecados cometidos, ora odiava o Deus que pune os pecadores! Além disso ele criticava constantemente os escritos do apóstolo Paulo, até que:
Comecei a entender que “a justiça de Deus” significava aquela justiça pela qual o homem justo vive mediante o dom de Deus, isto é, pela fé. É isso o que significa: a justiça de Deus é revelada pelo evangelho, uma justiça passiva com a qual o Deus misericordioso nos justifica pela fé, como está escrito: “Aquele que pela fé é justo, viverá”. Aqui, senti que estava nascendo completamente de novo e havia entrado no próprio paraíso através de portões abertos [1].
O protestantismo nasceu da luta por esta doutrina. Ela foi a bandeira da Reforma Protestante no século XVI. Segundo o dicionário Houaiss – justificação seria a produção de provas, tanto testemunhais como documentais, no correr do processo; conjunto de argumentos apresentados por alguém em sua defesa ou em favor de alguém. Esses conceitos mostram exatamente o que Cristo fez e faz… Ele age como um advogado e apresenta a nossa dívida cancelada diante de Deus. Essa é a poderosa mensagem do Evangelho!
ATO DIVINO
É um ato exclusivamente divino, não existe participação humana na justificação. Quando Deus opera na vida de uma pessoa, esta manifesta arrependimento e fé em Jesus como fruto de transformação. Isso acontecendo, tal pessoa é aceita por Deus, ou seja, é justificada de todos os seus pecados do passado, presente e até aqueles que ainda não foram praticados. Toda a nossa conta é paga na cruz! Ele “cancelou a escrita de dívida, que consistia em ordenanças, e que nos era contrária. Ele a removeu, pregando-a na cruz. Agora nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus, que não andam segundo a carne, mas segundo o Espírito. Quem fará alguma acusação contra os escolhidos de Deus? É Deus quem os justifica”. [11]
É a mudança de estado (ou de situação) diante do Eterno. É um ato judicial (de natureza forense) de Deus, no qual ele declara, com base na justiça de Cristo, que o pecador não será mais condenado pelos pecados cometidos, uma vez que todos eles já foram punidos em Jesus na cruz.
Por que na cruz? Como todo ser humano é pecador, nascemos debaixo da ira de Deus, escravos do pecado e inimigos de Deus, portanto debaixo de maldição. Ele redimiu (resgatou) o pecador da maldição da lei quando se tornou maldição no lugar do homem, como está escrito: “Maldito todo aquele que for pendurado num madeiro” [4].
Mas alguns virão a Mim – aqueles que o Pai Me deu – e nunca, nunca rejeitarei os que vierem. Pois Eu vim do céu aqui para fazer a vontade de Deus, que Me enviou, e não para seguir o Meu próprio caminho. E esta é a vontade de Deus: que Eu não perca de todos que Ele Me deu, mas que levante todos para a vida eterna no Último Dia. (João 6.37-39, Bíblia VIVA)
A justificação traz o perdão dos pecados e a restauração da comunhão com Deus. Em Romanos 5.1 aprendemos que a paz com Deus é reativada. O pecador justificado é reconciliado com Deus, ele deixa de ser inimigo do Todo-Poderoso. Desse momento em diante a santificação inicia-se e torna-se crescente em sua vida. Seremos moldados (santificados) segundo a vontade do Pai “até que todos alcancemos a unidade da fé e do conhecimento do Filho de Deus, e cheguemos à maturidade, atingindo a medida da plenitude de Cristo” [5].
O PRINCIPAL MOTIVO PARA CONHECERMOS ESSA DOUTRINA
Quando não compreendemos tudo isso vivemos com medo de perder a salvação, e sem paz. Segundo o médico, escritor e pastor D. Martyn Lloyd-Jones, “quem sabe o que é ser justificado pela fé deve ter certeza da salvação” [7]. Muitos crentes do passado sofreram a vida inteira porque tinham medo de perder a salvação – hoje não é diferente.
Com a prática das boas obras, muitos tentam compensar os pecados cometidos. Na tentativa de alcançarem a aprovação de Deus, utilizam-se até mesmo de regras não bíblicas, tais como: abstenção de alimentos, cumprimentos de regras, rituais inúteis; não praticam esportes, as mulheres são obrigadas a terem a medida certa de roupas e dos cabelos; os crentes só podem ouvir músicas gospel, etc. Ao invés de se arrependerem dos seus pecados e deixá-los.
As Escrituras Sagradas são bem claras nesse sentido, somos aceitos por Deus mediante a fé em Cristo. Como fruto dessa aceitação somos adotados como filhos, co-herdeiros com Cristo. A imagem e semelhança de Deus em nós começa a ser resgatada, uma vez que esta foi corrompida há muito tempo, pelo pecado, no Éden levando todo ser humano a nascer distante de Deus. No entanto, quando feitos filhos o processo de retorno a essa comunhão é iniciado. “Porque os que dantes conheceu também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos”.[8]
SANTIFICAÇÃO
A santificação é um mandamento divino para todos os salvos em Cristo e nos preparará para o grande dia em que estaremos definitivamente com o Pai; e, finalmente, teremos a imagem de Deus completamente restaurada em nós. Até lá, seremos transformados progressivamente com o objetivo de nos tornamos mais parecidos com Cristo. [9]
Façam a verificação em vocês mesmos. Vocês são realmente cristãos? Passem pela prova? Sentem cada vez mais a esperança e o poder de Cristo dentro de vocês? Ou estão apenas fingindo-se cristãos, quando não são absolutamente nada? (2 Coríntios 13.5, Bíblia VIVA)
Por pertencermos a Cristo, o Espírito Santo que habita em nós nos conduzirá pela sua Palavra a uma vida santa e temente a Deus, nosso Pai. Não precisamos de regras humanas. Crer em Cristo, reconhecermos que somos pecadores, nos arrependermos dos pecados (não somente no início, mas como uma atitude de coração que continua por toda a vida cristã) e fugir deles, nos humilhar na presença de Deus e confiar no que dizem as Escrituras Sagradas é suficiente. A oração do Pai nosso demonstra como deve ser a vida cristã [12]. O amor de Deus é a marca principal da nossa salvação. Pois, “todos conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros”. [10]
Jesus prometeu aliviar a bagagem de todo aquele que lançar seu próprio fardo sobre Ele. Por que a maioria dos crentes espalhados pelo mundo não estão fazendo isso? Será que de fato muitos não crêem em Cristo e estão se enganando (isso pode ser bem verdade) ou porque não compreendem a justificação pela fé como deveriam? Acreditamos ser essa última, a resposta mais provável. Por isso, assim como Jesus, os apóstolos, …. mais tarde os reformadores John Hus, John Wycliffe, Martinho Lutero, Ulrich Zuínglio, João Calvino, Menno Simons, … e depois John Knox, Charles Spurgeon, Jonathan Edwards, diversos puritanos que influenciaram o mundo com o seu estilo de vida piedoso, além de Abraham Kuyper, Francis Schaeffer, a Editora FIEL, entre outros, nós também acreditamos que o ensinamento bíblico da justificação pela fé continua sendo importante, vital e necessário para a saúde da Igreja do Senhor Jesus Cristo.
Esperamos em Deus que o seu povo seja despertado para essa verdade. Que a confiança em suas promessas seja reavivada. Pedimos em oração a Deus que fortaleça a sua Igreja, faça seus filhos orarem mais e buscarem mais o entendimento bíblico da sua vontade. Uma Igreja forte com certeza está firmada sobre a rocha que é Cristo. Não há outra forma de fazer isso se não confiar em Deus e em suas promessas. Nossa salvação está garantida pelas obras que Cristo realizou na cruz. Somos salvos sem merecimento, e continuaremos assim até o fim, sem merecimento.
Glória a Deus! “Aviva Senhor a tua obra…” [13]
Notas:
[1] GEORGE, Timothy. Teologia dos Reformadores. Editora Vida Nova, 1993. Pág. 64
[2] JOHN MACARTHUR, JR. Justificação pela Fé somente. Editora Cultura Cristã,1995. Pág. 11
[3] BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. Editora Cultura Cristã, 3a. Edição, 1995. Pág. 472
[4] Carta aos Gálatas 3.13, NVI.
[5] Carta aos Efésios 4.13, NVI.
[6] Artigo: Muito antes de Lutero (Jesus e a Doutrina da Justificação). Dr. John F. MacArthur Jr. / Sola Fide significa “Somente pela fé”, no caso, fé nas obras perfeitas realizadas por Jesus Cristo;
[7] JONES, D. Martyn Lloyd. Exposição sobre Capítulo 5 – Romanos – A Certeza da Fé. Editora PES, 2000. Pág. 115
[8] Carta aos Romanos 8.29, NVI.
[9] Carta aos Efésios 4.13, NVI.
[10] Evangelho de Jesus segundo o apóstolo João 13.35, NVI.
[11] Carta aos Colossenses 2.14, NVI; Carta aos Romanos 8.1,33, NVI.
[12] Evangelho de Jesus segundo o apóstolo Mateus 6.9-13, Bíblia NVI.
[13] Profeta Habacuque 3.2, A.R.C.
Integra a equipe de pastores do presbitério da Igreja Batista Reformada de Brasília, Águas Claras/DF. Fundador e Editor do Ministério Justificação pela Fé. É formado em Teologia Livre pelo Seminário Martin Bucer/SP, pós-graduado em Pregação Expositiva e mestrando em Teologia Sistemática pela Faculdade Teológica Reformada de Brasília/DF. É Casado com Pâmela Corrêa, com quem tem uma filha, Ana Corrêa.
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