Uma nova maneira de viver

Ao lermos o texto bíblico que vai de At 2.42-47, é inevitável uma comparação com a igreja hoje. Por isso, pretendo fazer um paralelismo sobre os primórdios da igreja cristã e os nossos dias atuais.

Lucas inicia seu relato falando sobre a perseverança deles. “E perseveravam na doutrina dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas orações.” Percebe-se que foram quatro objetos de perseverança. Vejamos cada um deles:

O que os apóstolos ensinavam? Os discursos proferidos por Pedro, Estevão, Paulo e outros mostram claramente que os apóstolos tinham um foco: Jesus Cristo crucificado e ressuscitado. Esse era o tema de suas pregações. Foi isso que Pedro mostrou às primeiras três mil almas que se converteram. Pela pregação da morte e ressurreição de Cristo as pessoas eram levadas ao arrependimento.

Não acrescentaram nada mais à sua doutrina. Nenhum tipo de misticismo, vantagens ou promessa enganosa. Quem se convertia e era batizado sabia que estava rompendo definitivamente com o judaísmo e outras religiões pagãs do império romano e poderia ser perseguido por isso. Não iriam enriquecer, muito menos tornar-se-iam poderosos. Apenas servos de Cristo.a

Poucas proibições foram impostas aos primeiros cristãos. Leia um trecho da carta enviada por eles às igrejas gentílicas: “Pois pareceu bem ao Espírito Santo e a nós não vos impor maior encargo além destas coisas essenciais: que vos abstenhais das coisas sacrificadas a ídolos, bem como do sangue, da carne de animais sufocados e das relações sexuais ilícitas; destas coisas fareis bem se vos guardardes. Saúde.” (At 15.28-29).

Pronto! Os dias já eram difíceis, porque piorar?. Além disso, eles sabiam que a transformação humana acontece de dentro para fora. À medida que as pessoas iam conhecendo mais sobre Cristo, suas motivações mudariam e uma nova maneira de pensar traduziría-se em novas atitudes.

A comunhão da igreja era algo que chamava a atenção das pessoas. Estavam sempre juntos: para as refeições e também para as orações. Relatos históricos citam esse jeito de viver diferenciado. “Oh! Como eles se amam!” Essa expressão era usada frequentemente por aqueles que observavam o modo como eles se relacionavam. Porque tanto prazer em estar juntos?

Acredito que um dos principais motivos, além do amor ágape que brotou no coração deles foi a excelência da mensagem que ouviram. A Palavra de Deus apresentada por Pedro no pentecostes apresentava-lhes Cristo Todo Poderoso e mostrava-lhes quem realmente eles eram, ou seja, pecadores salvos pela graça divina.

Vamos ouvir Lucas novamente:

“Em cada alma havia temor; e muitos prodígios e sinais eram feitos por intermédio dos apóstolos. Todos os que creram estavam juntos e tinham tudo em comum. Vendiam as suas propriedades e bens, distribuindo o produto entre todos, à medida que alguém tinha necessidade.” (At 2.44-45).

A coragem e a ousadia dos apóstolos levaram aqueles cristãos a unirem-se em torno de “um só Senhor, uma só fé e um só batismo”. Cristo era o alvo deles. Por isso havia graça abundante. E essa graça era percebida através de ações reais. Todos se ajudavam. A fome era grande no império romano naquela época. Porém, a fome foi derrotada pela graça de Deus que impulsionou os cristãos.

Que contraste com as falsas teologias que incentivam o desejo de ser rico, importante, possuidor. Ao invés de sonharem com palácios e grandes fazendas, os cristãos estavam se desfazendo dessas coisas para ajudar seus irmãos.

Vamos pensar um pouquinho mais. Não foi impressionante a reação que eles tiveram diante do Evangelho? Provavelmente antes do pentecostes essas pessoas davam a vida por suas propriedades. Agora, convertidas a Cristo, entregam suas vidas e seus bens mais preciosos como se não valessem mais nada. Mudaram radicalmente de tesouro.

Você poderia me dizer: “já vi isso acontecer em algumas igrejas neo-pentecostais…” A grande diferença é que em Atos, as pessoas não exigiam nada em troca. Apenas não queriam ver outros passando fome. Não davam grandes quantias de dinheiro ou bens para que Deus os tornasse milionários depois.

A partir dessa passagem podemos supor que esses cristãos tinham uma convicção em comum: a certeza da salvação. Porque pensar assim? Você acha que eles sendo judeus se desfariam com tanta facilidade dos seus bens? Só alguém com a plena certeza de que passaria a vida eterna com Cristo tomaria uma atitude tão radical.

Além disso, outro detalhe é que eles esperavam o retorno de Cristo ainda para aqueles dias. O apóstolo Paulo anos mais tarde afirmou com segurança: “Depois nós, os que estivermos vivos seremos arrebatados com eles nas nuvens, para o encontro com o Senhor nos ares. E assim estaremos com o Senhor.” I Tes 4.17

O grande escritor C. S. Lewis afirmou: “Se você ler a história, descobrirá que os crentes que mais realizaram neste mundo foram exatamente aqueles que pensavam mais no mundo por vir… Em outras palavras, aqueles que tinham a plena certeza da salvação, foram os que verdadeiramente cumpriram o seu chamado e realizaram grandes obras para Deus.

Como grande pensador e teólogo, C. S. Lewis concluiu: “É pelo fato dos crentes terem deixado de pensar no outro mundo que se tornaram ineficazes neste mundo”.

O que você acha? É verdade ou não?

Para completar, eles perseveravam em oração. Seguindo o exemplo de Seu Senhor, eles oravam, demonstrando o quanto confiavam Nele, no Seu cuidado e na Sua soberania. Sabiam o quanto precisavam do poder de Deus para vencerem as batalhas que estavam por vir.

Caminhavam de graça em graça, acreditando no poder capacitador do Espírito para vivermos dia após dia em união, harmonia e santidade.

Qual o resultado dessa nova maneira de viver da igreja?

“…enquanto isso, acrescentava-lhes o Senhor, dia a dia, os que iam sendo salvos”. At 2.47

É difícil evitarmos comparações entre a Igreja primitiva e a atual. Porém, ao compararmos, normalmente olhamos apenas ao redor e na maioria das vezes somos injustos com a Igreja contemporânea. Temos a tendência de romantizar uma e atacar a outra.

Quando saímos de Atos e vamos para as Epístolas do Novo testamento, verificamos que “não foi tudo às mil maravilhas” na Igreja Mãe. Diversos problemas são citados. Discussões, partidarismos, heresias e até incestos aconteceram.

Afinal de contas, a Igreja é uma instituição divina formada por seres humanos. Impossível não ter defeitos.

A perseverança estudada acima é vista hoje em dia em várias igrejas que passam pela mesma situação, ou seja, igrejas que tem uma mensagem totalmente cristocêntrica, e que são perseguidas por causa dessa mensagem e suas consequentes mudanças na vida dos crentes. Basta uma pesquisa em sites como ww.portasabertas.org.br, para constatarmos essa verdade. Comunidades que, em sua maioria, não tem nem templos construídos.

Aliás, combatemos tanto as falsas teologias, mas nos esquecemos dos templos.

Assim como o filósofo Thomas Hobbes via o Estado como o grande Leviatã, um monstro poderoso capaz de controlar tudo à sua volta, a igreja pós Constantino, também conhecida como Católica, transformou o templo num grande monstro, que fica com a sua grande boca aberta, abocanhando tudo ao seu redor. Isso não foi visto como um problema pelas igrejas posteriores. Pelo contrário, os templos se tornaram o selo das igrejas. Quanto mais belo e luxuoso é o templo, melhor e mais abençoada é a igreja.

Desta forma, ao invés de ajudar os membros de sua comunidade, a igreja local concentra todos os seus esforços para manter seus templos cada dia mais pomposos. Até mesmo a comunhão entre os crentes fica comprometida, resumindo-se apenas às reuniões no templo.

O que acontece com a maioria das igrejas então? Porque as comunidades cristãs não conseguem ter o estilo de vida de Atos 2?

O principal motivo é que perdemos a mensagem. O antropocentrismo utópico, aliado à psicologia humanista, por vezes com uma boa dose de cobiça, encantou as platéias cristãs. O pecado deixou de ser algo terrível e passou a ser tratado apenas com um erro de alvo. Arrependimento e regeneração perderam a sua importância.

Essa mensagem, ao invés de amor e altruísmo, trouxe consigo um enorme egoísmo. O efeito disso é imediato. Quanto mais bens terrenos mais vontade temos de ficar na terra. Céu para que? Estamos felizes aqui. Com esse pensamento, sobra espaço para amar alguém?

A teologia tentou transformar-se em ciência, submetendo as Escrituras ao empirismo. Consequentmente, novas teologias apareceram, com destaque para a teologia liberal.

A teologia liberal classificou a Bíblia como um livro mitológico, com conteúdo educativo-moralista. Assim, para muitas igrejas, a palavra sofreu uma metamorfose siginificativa, transformando-se em mais um livro de auto-ajuda para auxiliar as pessoas a melhorarem de vida.

Outras teologias, por serem antropocêntricas, colocaram o homem no mesmo patamar de Deus, exaltando o livre-arbítrio humano e diminuindo a soberania divina. Basicamente, a maioria das igrejas apresentam um Deus que não faz nada se o homem não permitir. Na verdade, os papéis estão invertidos.

Devido a essa confusão, as orações transformaram-se em meras petições ou até ordens para que Deus resolva os problemas de seu povo. Deus passou a ser pragmático. Em suma, trocamos um Deus que traz salvação por um deus que traz solução apenas.

Concluindo, para solucionar essa questão só tem uma resposta. Voltarmos ao evangelho original. “O evangelho é o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê”. Só a mensagem cristocêntrica pode mudar esse quadro de estagnação que vemos em boa parte das igrejas locais.

Na história do cristianismo já tivemos momentos difíceis como esse. No entanto, o Eterno sempre levantou líderes qualificados com o seu Espírito Santo para chacoalhar as igrejas locais, advertindo-as a não pensarem como o mundo ao seu redor, a fim de enxergarem a perfeita vontade de Deus.

Resta-nos apenas seguir os conselhos do apóstolo Tiago e implorar pela misericórdia do Eterno Deus:

“Chegai-vos a Deus, e ele se chegará a vós. Alimpai as mãos, pecadores; e, vós de duplo ânimo, purificai os corações. Senti as vossas misérias, e lamentai e chorai; converta-se o vosso riso em pranto, e o vosso gozo em tristeza. Humilhai-vos perante o Senhor, e ele vos exaltará.” Tiago 4:8-10.

 

Até a próxima!!!

Deus nos abençoe!!!

 


Notas

1. J. Williams, David. Atos, Novo Comentário Bíblico Contemporâneo. São Paulo: Editora Vida, 1985.

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