Em meio a um período de intensas discussões políticas e crise no Brasil, surgiu mais uma polêmica: Crianças mais “velhas”, (leia-se crianças que não precisam mais ser amamentadas) aptas à adoção, desfilam em shopping para ‘pais pretendentes’. Existe algum problema nisso?
Segundo a Associação Mato-Grossense de Pesquisa e Apoio à Adoção (Ampara) em parceria com a Comissão de Infância e Juventude (CIJ) da Ordem dos Advogados do Brasil do Mato Grosso (OAB-MT), o objetivo do evento era apresentar, aos possíveis pretendentes à adoção, as crianças e os adolescentes. O evento ocorreu na noite do dia 21/05/2019, em um Shopping de Cuiabá[1]. Apesar da boa intenção dos organizadores, essa foi uma ideia infeliz, conforme mostraremos abaixo.
MOTIVOS PARA REJEITAR ESSE EVENTO
Primeiro, esse desfile não está associado à realidade das crianças e dos adolescentes. Todas têm histórias difíceis. Algumas foram rejeitadas porque seus genitores preferiram as drogas, a prostituição ou qualquer outra coisa. Outras, abandonadas pelos pais que não tinham condições de cuidar delas. Também existem aquelas que sofreram abusos sexuais e/ou agressões físicas e/ou psicológicas. Independentemente da situação, por medidas de proteção, elas moram em abrigos até que haja possibilidade de reestruturação familiar ou adoção. Lamentavelmente, muitas delas foram expostas ao ridículo ao participarem desse desfile.
Segundo, esse desfile passa a imagem errada de que o amor à primeira vista levará à adoção. É ridículo alguém pensar assim: “olha aquela ali é bonitinha, quem sabe ela combina com a minha família?”. Elas são seres humanos e não animais de estimação para serem escolhidas como se fossem cachorrinhos ou gatinhos deixados para a adoção. Esse tipo de evento lembra a escravatura no Brasil, quando os escravos eram expostos à venda e examinados como um objeto, uma mercadoria ou um animal[2].
Terceiro, esse desfile pode acrescentar mais uma rejeição para a história delas. Imagine uma delas pensando depois do desfile: “eu fiz bonito e me arrumei, mas por que eu não fui escolhida? Tem algo muito errado comigo…”. Desfilar na passarela pode levar a mais uma rejeição, e pelo jeito foi o que aconteceu com algumas delas… Foram expostas, mas quando os “pretendentes” resolveram conhecê-las mais, provavelmente descobriram que todas têm algum tipo de problema físico, mental ou emocional, em menor ou maior grau. Então, a maioria desiste nesse momento.
Aqui gostaria de frisar uma coisa muito importante: Engana-se quem acredita que adotar bebê é mais fácil de conseguir uma criança 100% saudável. Os abrigos não têm condições de dar uma boa assistência médica. Então a probabilidade de encontrar doenças graves nas crianças depois de crescidas é maior. Por outro lado, pode ser mais fácil observar a saúde e o desenvolvimento das crianças que não precisam mais ser amamentadas. Contudo, é necessário saber lidar com o passado delas e ajudá-las a vencer seus traumas, má-criação, teimosia, indisciplina etc.. intensificados pelo que viveram. Enfim, ser pai ou mãe dá trabalho, seja pela adoção de recém nascido ou não.
COMO AJUDAR ESSAS CRIANÇAS?
Não é necessário um desfile para alguém decidir conhecer e se interessar em adotar uma criança. O melhor lugar para conhecê-las é no abrigo ou na vara da infância e da adolescência. O amor verdadeiro e bíblico é uma escolha e não somente um desejo. Logo, para ajudar essas crianças, precisamos de:
A) Lembrar do amor de Deus
É imprescindível nos lembrar do que aconteceu há mais de 2 mil anos, quando Deus enviou Jesus Cristo para morrer na cruz em nosso lugar (Jo 3.16). Por quê? Porque se isso não acontecesse morreríamos órfãos. Deus nos amou e nos escolheu antes da fundação do mundo… Ele nos amou primeiro e decidiu ir ao nosso encontro sem merecermos tal amor. Isso é amor! Jesus deixou a sua glória para nos alcançar aqui neste mundo corrompido pelo pecado. Quando alguém tem o interesse de adotar, vai ao encontro da criança onde ela estiver.
B) Orar durante o processo
Eu e minha esposa lemos a história da nossa filha lá na Vara da Infância e Adolescência do DF. Quando terminamos de ler, sentimos um amor tremendo por ela e só depois é que olhamos para sua foto. Tínhamos orado (Cl 4.2) pelo processo de adoção e para que Deus colocasse em nosso coração um amor profundo por nossa filha. Assim como Deus nos amou e nos escolheu antes da fundação do mundo, antes mesmo de fazermos algo de bom ou de ruim, assim oramos para que Deus enchesse nosso coração desse amor!
C) Viver o Evangelho
O Evangelho nos ajuda a ter amor pelos outros, e mesmo que não tenhamos o desejo de ser pai/mãe, somos impulsionados a ajudar outros que queiram ser. O evangelho de Jesus tem poder para romper nosso egoísmo e assim lembrar dos órfãos (Tg 1.27). Nesse sentido, precisamos de palavras de incentivos onde o amor que vem de Deus deve prevalecer sobre os medos! É impossível fazer isso sem viver o Evangelho, o caminho excelente para ajudá-las.
D) Depender de Jesus
Confesso que, sem Jesus Cristo (Jo 15.5), já teríamos desistido pelo meio do processo, pois não é fácil. O medo de não dar certo é perturbador, mas, em Cristo, temos poder de Deus para prosseguir. Estamos aprendendo a superar nossos erros e a nos alegrarmos com nossos acertos como pais. “Tudo posso naquele que me fortalece” (Fp 4.13). Você já imaginou uma criança dessas ouvir a seguinte frase de um pai ou de uma mãe: “Você pode não me amar como eu te amo, mas eu nunca vou te abandonar. Porque Deus me ama de uma maneira que eu nunca conseguirei amá-lo, mesmo assim Ele jamais me abandonará! (Sl 27.10). Apesar de eu ser falho e pecador, sempre te amarei mesmo que você nunca consiga me amar do jeito que eu te amo!”.
CONCLUSÃO
Pelos motivos acima expostos, cremos que esse tipo de desfile foi muito infeliz. Sabemos que é difícil encontrar pais adotivos e enquanto as crianças esperam, elas crescem. O tempo não para. É Importante que os órgãos competentes procurem estratégias menos prejudiciais às crianças.
Quem deseja ser pai/mãe precisa dar sua vida pelos seus filhos (1Jo 3.16), assim como Cristo deu sua vida por nós, isso é amor segundo a Palavra de Deus. Por isso, a pregação do evangelho levará esperança e segurança para muitos pais que desejam adotar. E quando vier a vontade de desistir, será possível trazer à memória uma coisa: o amor imerecido de Deus independe de qualquer prova de amor que possamos oferecer-lhe.
Vai dar certo, persista, dependa de Jesus! Em Cristo temos forças para perseverar na difícil, mas gratificante, missão de ser pai/mãe. Precisamos amá-las como Deus nos ama. Nosso coração precisa se arrepender dos nossos pecados e envolve-se com o Evangelho. Assim, essas crianças reconhecerão que são valiosas, belas e amadas por nós e por Deus!
Amém.
Fontes
[1] https://www.otempo.com.br/brasil/crian%C3%A7as-aptas-a-ado%C3%A7%C3%A3o-desfilam-em-shopping-para-pais- pretendentes-1.2185032
[2] https://alunosonline.uol.com.br/historia-do-brasil/mercado-escravos.html
Integra a equipe de pastores do presbitério da Igreja Batista Reformada de Brasília, Águas Claras/DF. Fundador e Editor do Ministério Justificação pela Fé. É formado em Teologia Livre pelo Seminário Martin Bucer/SP, pós-graduado em Pregação Expositiva e mestrando em Teologia Sistemática pela Faculdade Teológica Reformada de Brasília/DF. É Casado com Pâmela Corrêa, com quem tem uma filha, Ana Corrêa.
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