“Saulo passou vários dias com os discípulos em Damasco. At 9.19
“Nenhum homem é uma ilha, isolado em si mesmo; todos são parte do continente, uma parte de um todo”. O homem é um ser social. O cristianismo é a prova viva disso. A existência da Igreja é uma evidência de que Deus prefere a coletividade ao individualismo!
Na continuação das nossas reflexões sobre o capítulo 9 do livro de Atos, nos deparamos com os primeiros anos de ministério do apóstolo Paulo. Não foi fácil para ele ser aceito como cristão e apóstolo. Sua conversão despertava dúvidas naqueles que foram perseguidos por ele.
Paulo, apesar de ser um homem de destaque por sua instrução acadêmica, não se transformou da noite para o dia em pregador. Primeiro ele teve que provar que a sua transformação era real. Ele sabia que dependeria da paciência e aprovação dos cristãos em Damasco.
A conversão naqueles dias costumava chamar mais atenção do que nos dias atuais, pois dava-se enorme importância por permanecer na tradição da família, e quem abandonasse era fortemente rejeitado. Ao se declarar cristão, o convertido era considerado blasfemador do judaísmo. Além disso, por adorar somente a Jesus Cristo, também batia de frente com o politeísmo greco-romano.
Pior ainda no caso de Paulo, porque ele foi o principal perseguidor do cristianismo, tendo ido a Damasco para prender os cristãos daquele lugar. A primeira prova de sua transformação foi a humildade, submetendo-se a pessoas simples como Ananias e outros discípulos. Como nos conta Lucas: “Saulo passou vários dias com os discípulos em Damasco.” Atos 9:19.
Apesar do versículo 20 afirmar que logo ele começou a pregar nas sinagogas, Simon Kistemaker, em seu Comentário do Novo Testamento nos explica que “segundo informação dada por Paulo em sua carta aos gálatas, ele passou três anos na Arábia e em Damasco antes de ir a Jerusalém (1.17,18). E porque o deserto? “A reclusão de Paulo no deserto é significativa por mais de uma razão: primeiro, uma longa permanência num lugar solitário o preparou para a tarefa que o aguardava; em segundo lugar, porque o tempo cura todas as feridas e uma longa ausência de Jerusalém era benéfica tanto para ele como para a igreja; e, finalmente, Paulo não se apressou a ir a Jerusalém para encontrar-se com os apóstolos porque o próprio Jesus, não os apóstolos, o havia designado para o apostolado.”
Depois de todo aprendizado, não somente com os discípulos de Damasco, mas também com o próprio Cristo, Paulo passa a pregar nas sinagogas daquela cidade que “Jesus Cristo é o Filho de Deus”, provando a sua real conversão, ao proclamar tudo o que ele antes tentava negar.
Ao correr risco de vida, ele provou da amizade e lealdade dos discípulos, que o levaram de noite e o fizeram descer num cesto, através de uma abertura na muralha para o livrarem da morte (At 9:25).
Lucas nos conta a saga do apóstolo ao chegar em Jerusalém: “Quando chegou a Jerusalém, tentou reunir-se aos discípulos, mas todos estavam com medo dele, não acreditando que fosse realmente um discípulo.” (At 9:26)
Difícil não? Ele era perseguido pelos judeus e não estava sendo aceito pelos cristãos. Parecia não ser aceito em grupo algum.
Então, apareceu Barnabé, introduzindo-o no grupo de cristãos em Jerusalém. Mais uma vez, um coadjuvante aparecia para ajudar Paulo.
Inserido no grupo, Paulo agora pregava corajosamente em nome do Senhor, falava e discutia com os judeus de fala grega e mais uma vez era jurado de morte pelos judeus. Em seguida, iniciou o seu ministério missionário, sendo enviado pela igreja de Jerusalém (At 9:28-30).
O início do ministério de Paulo nos leva a algumas reflexões:
A conversão não exclui a nossa necessidade de relacionamento com outras pessoas. O cristão não foi chamado para ser um ermitão. Pelo contrário, a conversão nos insere em outro grupo: a Igreja.
O pai da psicanálise, Sigmund Freud, ensina que a partir da formação de um grupo, podem surgir efeitos de massa, onde os indivíduos se combinam como uma unidade e são influenciados pela sugestão, provocando mudanças de comportamento e suas particularidades tendem a desaparecer.
Ainda segundo Freud, o grupo tem importante papel no fortalecimento da auto-estima do homem. Pertencer e ser aceito por um determinado grupo é para o homem sinônimo de valorização social. No interior de um grupo, elementos como liderança, cooperação, limites e papéis são trabalhados e aperfeiçoados, tornando assim, a convivência entre os elementos do grupo uma constante troca de experiências e uma agradável aprendizagem coletiva.
As afirmações de Freud são coerentes. Ao observarmos a Igreja, notamos que ela funciona como um organismo vivo, ajudando na transformação de pessoas, sob a direção do Espírito Santo.
Aos efésios Paulo escreveu: “Rogo-vos, pois, eu, o preso do Senhor, que andeis como é digno da vocação com que fostes chamados, com toda a humildade e mansidão, com longanimidade, suportando-vos uns aos outros em amor, procurando guardar a unidade do Espírito pelo vínculo da paz. Há um só corpo e um só Espírito, como também fostes chamados em uma só esperança da vossa vocação; um só Senhor, uma só fé, um só batismo; um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, e por todos e em todos vós.” (Ef 4:1-6)
Apesar do crescente movimento de desigrejados, do desânimo, da decepção e insatisfação de boa parte dos cristãos, a orientação neo-testamentária é “não deixar a nossa congregação”… Hb 10.25.
Por que esta orientação??? Afinal, o Espírito Santo não habita em nós???. Deus não nos deu dons e talentos??? Sim, é verdade. Somos morada do Espírito (I Cor 6.19). Porém, não fomos chamados para o individualismo. A Igreja é um corpo e os dons e talentos foram distribuídos por Cristo para serem usados por quem os recebeu, a fim de trazer harmonia à este mundo e glória para Deus (Ef 4.10-16).
Observação importante: cuidado com o exibicionismo. Deus não divide sua glória com ninguém (Is 42.8).
Agora, precisamos entender uma coisinha: de que grupo estamos falando??? Igreja de Cristo ao redor do planeta ou igreja local??? Cristo afirmou que “onde se reunirem dois ou três em meu nome, ali eu estou no meio deles”. Mt 18:20. Muitos se tornam seletivos e preconceituosos fora de sua igreja local. Talvez não entendam que a graça de Deus foi estendida a todos que ouviram a voz do Espírito e nasceram de novo (Jo 3.3-8).
Embora alguns ensinem um evangelho individualista e narcisista, focado principalmente em conquistas pessoais, a Bíblia nos convida a viver em coletividade. Mesmo sendo Deus, o próprio Cristo não viveu isolado e ainda ordenou que seus discípulos ficassem juntos em Jerusalém (At 1.4).
Podemos extrair outras lições deste texto de Atos. Apesar de Paulo ser uma sumidade entre os fariseus, não procurou fama ou destaque entre os cristãos. Não iniciou seu ministério imediatamente após a conversão. Aprendeu com Cristo e com os discípulos. Ele teve que comprovar que realmente tinha se convertido a Cristo.
Quantos hoje são destruídos e fazem mal às igrejas locais por não esperarem o momento certo. Não tem paciência de aprender com aqueles que receberam dons para ensinar. Tornam-se autônomos, fazendo exatamente o contrário do que Paulo fez. “Aceitam Jesus” e imediatamente viram líderes famosos.
Outra questão é que às vezes as igrejas locais não tem paciência com seus novos convertidos. Pior, muitas não aceitam suas conversões. Lamentavelmente, muitas igrejas estão mergulhadas em preconceitos. O tempo é capaz de mostrar se aquela pessoa se converteu realmente ou não.
O que nos resta então??? Seguir o exemplo dos cristãos de Damasco e Jerusalém. Ter paciência, testar, amar e acreditar para que tenhamos um grupo sadio.
Repito aqui a orientação neo-testamentária: “não deixem a nossa congregação”… Hb 10.25.
Sozinho você não é nada. Sua vida só faz sentido no Corpo de Cristo.
Lembremo-nos do refrão de uma bela canção:
Somos corpo
E assim bem ajustado
Totalmente ligados, unidos,
Vivendo em amor.
Uma família
Sem qualquer falsidade,
Vivendo a verdade,
Expressando a glória do Senhor.
Uma família vivendo o compromisso
Do grande amor de Cristo
Eu preciso de ti
Querido irmão
Precioso és para mim
Querido irmão.
Pense nisso!!!
Até a próxima!!! Deus o abençoe!!!
Elias Silvio
Notas
J. Williams, David. Atos, Novo Comentário Bíblico Contemporâneo. São Paulo: Editora Vida, 1985.
H. Gundry Robert. Panorama do Novo Testamento. São Paulo: Edições Vida Nova, 1978.
Craig S. Keener. Comentário Bíblico Atos, Novo Testamento. São Paulo: Editora Atos, 2004.
Stott, John R. W. A mensagem de Atos. Até os confins da terra. São Paulo: ABU Editora S /C, 1990.
Kistemaker, Simon J. Comentário do Novo Testamento – Exposição de Atos dos Apóstolos. Editora Cultura Cristã, 2003.
Membro do Ministérios Justificação pela Fé, amigo fiel e apaixonado pela Teologia Reformada. Membro, líder de pequeno grupo e professor da EBD da Igreja Presbiteriana do Calvário de Sorocaba/SP.