Se um crente morrer sem confessar um pecado ele vai para o inferno? Esta foi uma pergunta que surgiu à tona com a recente polêmica sobre o suicídio. Imagine que um cristão tenha um ataque cardíaco fulminante na hora que estiver mentindo. Ele vai ser salvo? Para respondermos isso, precisamos deixar nossas ideias próprias e conferir o que o evangelho ensina! Precisamos entender melhor a salvação do Senhor.
Chamarei a noção de que “a menos que confessemos todos os pecados de nossa vida antes de morrer, iremos perecer” de “confessionismo”.
É Jesus quem salva
Em primeiro lugar, precisamos compreender que arrependimento e confissão de pecados não possuem poder salvador em si mesmos. Sei que isso pode chocá-lo, mas entenda: se Cristo não tivesse morrido e derramado seu sangue em prol de nós, de nada adiantaria passarmos 24h por dia confessando todos os nossos pecados. O autor de Hebreus fala que Cristo “pode salvar totalmente os que por ele se chegam a Deus” (7.25). Sim, há o nosso chegar até Deus, mas quem “pode salvar totalmente” é Cristo. O poder da salvação está em Cristo.
Alguns pensam que como Deus é amor, ele tem que perdoar se confessarmos. Deus simplesmente ignoraria a justiça e nos perdoaria. Essa não é a visão da cruz. O amor de Deus é justo, e por isso ele não pode simplesmente negar a si mesmo e ser injusto para nos perdoar. É por isso que na cruz vemos tanto o amor quanto a justiça de Deus em ação. Cristo é sacrificado para pagar o preço dos nossos pecados, para que, então, pudéssemos ser perdoados.
Se é Cristo que salva, qual o meio que ele usa neste processo? É aqui que entra o nosso achegar a Deus de Hebreus. O meio da salvação é nos achegarmos a Deus em arrependimento e fé. Mas não há mérito nisso. Só Cristo possui todo mérito. Só ele é a causa da salvação.
Portanto, quando nos achegamos a Deus, quando recebemos a Cristo, Jesus nos salva totalmente. Ele é poderoso para isso! Glórias a Cristo!
Jesus salva através da fé
Em segundo lugar, precisamos compreender que somos completamente justificados ao crermos em Cristo e nos arrependermos de nossos pecados, e não por nos arrependermos de precisamente todos os pecados que cometemos em nossa vida.
A fé evangélica crê que somos salvos pela graça através da fé (Ef 2.8). No momento em que verdadeiramente cremos, somos perdoados de todos os nossos pecados (Cl 2.13) e somos justificados por Deus (Rm 5.1), de forma que não há mais nenhuma dívida que não tenha sido paga (Cl 2.14), nem alguma acusação ou condenação sobrando (Rm 8.1, 33-34). Se você não crê nisso, você não é um evangélico.
A graça da salvação não é renovada a cada vez que cometemos algum pecado. Não perdemos a salvação ao cometermos certos pecados. Isso assemelha-se ao ensino católico romano que diz que aqueles que cometem pecados sérios (chamados de “pecados mortais” na teologia romana), precisam do sacramento da penitência para renovar a graça justificadora em suas vidas (cf. Catecismo Católico 8.V). Para a Igreja Católica Romana alguém pode crer verdadeiramente e não ser salvo (cf. Sessão VI.15 do Concílio de Trento: “A graça, e não a fé, se perde com qualquer pecado mortal”). O ensino protestante afirma que onde houver fé verdadeira, há salvação.
Protestantes de fato discordam se um crente verdadeiro pode ou não perder a salvação. Calvinistas creem que um crente verdadeiro jamais perderá a salvação, apesar de poder pecar gravemente (como o assassino Davi). Arminianos creem que um crente verdadeiro pode perder a salvação. Porém, aqui está a questão, no ensino arminiano a pessoa não perde a salvação por pecar um pecado grave e, sim, por perder a fé (apostatar). Novamente, o ensino protestante afirma que onde houver fé verdadeira, há salvação, mesmo discordando se um crente pode ou não perder a salvação.
Desta forma, a real questão é: Será que esse pecado grave ou contínuo demonstra um coração incrédulo? Pode ser que sim, como Judas; pode ser que não, como Davi.
Você peca muito mais do que imagina
Em terceiro lugar, precisamos compreender que o “confessionismo” não possui uma visão correta da extensão do nosso pecado. Cada segundo que você não ama a Deus com toda a seu coração, alma, força e entendimento, você está quebrando o primeiro e principal dos mandamentos (Lc 10.27).
E apesar de nosso amor por Deus poder ser real, ele jamais será perfeito deste lado da eternidade. Nosso amor por Deus é contaminado pelo pecado, mas aceito por meio de Cristo. Ou seja, você está pecado a cada segundo. Assim, jamais conseguiríamos confessar todos os nossos pecados a Deus.
Esse “confessionismo” irá levar qualquer cristão ao desespero, sempre temendo estar sem algum pecado confessado, ou ao farisaísmo, só confessando “grandes pecados” (uma listinha particular de pecados, enquanto se ignora os outros, como os fariseus).
Estes três pontos resumem a noção protestante de justificação somente pela fé. Somos pecadores muito piores que imaginamos, porém, quando cremos verdadeiramente, os méritos de Cristo são colocados sobre nós e somos completamente justificados. Portanto, a noção de que não seremos salvos a menos que confessemos precisamente todos os pecados de nossa vida não é uma noção evangélica da salvação.
Então, precisamos ou não confessar nossos pecados? É o que veremos na próxima semana.
Publicado originalmente em https://voltemosaoevangelho.com