Certezas e incertezas

“…E, caindo em terra, ouviu uma voz que lhe dizia: Saulo, Saulo, porque me persegues? E ele disse: Quem és, Senhor?… ” Atos 9:4,5

Em Filosofia, a certeza é uma crença intelectual ou moral, fundada nas conclusões de uma demonstração, na experiência, numa evidência ou grande probabilidade.

No capítulo 9 do livro de Atos dos Apóstolos, Lucas, o autor, nos apresenta com mais detalhes o apóstolo Paulo, uma das figuras mais importantes do cristianismo. Ele era um jovem religioso cheio de certezas e convicções.

Mas, será que ele estava certo? Aliás, o que nos garante se realmente estamos certos? Quantas vezes você já mudou de idéia? Até mesmo interpretações bíblicas mudam, dependendo do grupo, do lugar e da época. Na pós-modernidade existem várias certezas. Feminismo, esquerda, direita, islamismo, cristianismo, questões de ordem moral, social, ética, enfim, convicções não faltam.  

Nesse texto quero pensar junto com você até que ponto nossas certezas são equilibradas e onde estão fundamentadas, mas antes vamos para o texto de Atos.

A primeira aparição do jovem Saulo de Tarso no livro de Atos é na descrição da morte de Estevão.

Pelo texto, percebe-se que Paulo participou ativamente daquela barbárie. Ouviu a pregação eloquente, viu as acusações, ajudou no apedrejamento de Estevão, ouviu o testemunho e a declaração dele sobre Jesus Cristo.

Como se vê, Paulo não era ignorante a respeito de Cristo. Talvez o martírio de Estevão tenha deixado aquele jovem muito mais indignado. Afinal, como um judeu poderia afirmar, na hora de sua morte que Jesus é o filho de Deus? Essa seria uma blasfêmia terrível.

Vamos relembrar: Paulo foi aluno de Gamaliel, como ele mesmo conta. Ao ser preso em Jerusalém disse: “…Sou judeu, nascido em Tarso da Cilícia, mas criado nesta cidade. Fui instruído rigorosamente por Gamaliel na lei de nossos antepassados, sendo tão zeloso por Deus quanto qualquer de vocês hoje.…” Atos 22:3

Embora tenha sido um excelente aluno e ter por característica o zelo, Paulo foi teimoso.  Talvez por ser jovem, agiu como Roboão, desprezando o conselho que o mestre Gamaliel deu aos seus pupilos: “…mas um fariseu chamado Gamaliel, mestre da lei, respeitado por todo o povo, levantou-se no Sinédrio e pediu que os homens fossem retirados por um momento. Então lhes disse: Israelitas, considerem cuidadosamente o que pretendem fazer a esses homens… portanto, neste caso eu os aconselho: deixem esses homens em paz e soltem-nos. Se o propósito ou atividade deles for de origem humana, fracassará; se proceder de Deus, vocês não serão capazes de impedi-los, pois se acharão lutando contra Deus”. Atos 5:34-39.     

O próprio Paulo admite isso: “…E persegui este caminho até à morte, prendendo, e pondo em prisões, tanto homens como mulheres…” Atos 22:4.

A pergunta que faço é: o que levou o jovem Paulo a tomar uma atitude tão radical contra os cristãos?

Não pairava nele nenhuma dúvida. Considerava os cristãos blasfemadores. Poderia o Todo-Poderoso ter filho? E, mesmo que fosse verdade, o Senhor permitiria que seu filho morresse como maldito numa cruz? Não fazia sentido algum para ele.

Ele possuía bastante conhecimento teórico. Tinha zelo pelos ensinamentos religiosos judaicos. Provavelmente ele investiu horas tentando entender as Escrituras, porém a única coisa que conseguiu foi tornar-se um  religioso intolerante. Mas, onde Paulo errou?

O capítulo 3 do livro de Provérbios nos ensina sobre a sabedoria em diversos versículos. Vejamos: “…Como é feliz o homem que acha a sabedoria, o homem que obtém entendimento, pois a sabedoria é mais proveitosa do que a prata e rende mais do que o ouro. É mais preciosa do que rubis; nada do que você possa desejar se compara a ela (…) A sabedoria é árvore que dá vida a quem a abraça; quem a ela se apega será abençoado…” Provérbios 3:13-15;18.

Mas também, no mesmo capítulo está escrito: “…confie no Senhor de todo o seu coração e não se apóie em seu próprio entendimento;  …não seja sábio aos seus próprios olhos…; …meu filho, guarde consigo a sensatez e o equilíbrio, nunca os perca de vista…” Provérbios 3:5;7;21.

A atitude de Paulo, ao confiar em seu próprio entendimento, tornou-o sábio aos seus próprios olhos, deixando de lado a sensatez e o equilíbrio. Isso prejudicou toda a sua busca por conhecimento e sabedoria. No fim, a consequência foi a queda, como está escrito: “…o orgulho vem antes da destruição; o espírito altivo, antes da queda…” Provérbios 16:18

Depois de anos de conversão à Cristo, mais maduro, Paulo chegou à seguinte conclusão: “…a letra mata e o espírito vivifica.” 2 Coríntios 3:6. Seguir a lei de Moisés como meio para salvação leva à morte, no entanto seguir a Cristo traz vida através do Espírito Santo.

Ao fazer o resumo da sua história, Paulo afirma que tudo o que aprendeu não se comparava à vida com Cristo:  “…mas o que para mim era ganho reputei-o perda por Cristo: e, na verdade, tenho também por perda todas as coisas, pela excelência do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor; pelo qual sofri a perda de todas estas coisas, e as considero como escória, para que possa ganhar a Cristo…” Filipenses 3:7,8.

Desde o início do cristianismo, tantas guerras, batalhas e discussões intermináveis se fizeram em nome de Deus. Protestantes x católicos; as cruzadas; os anabatistas, reformados x arminianos; os puritanos, tradicionais x pentecostais, discussões políticas, etc.

Tudo isso traz divisão e tristeza no reino. A igreja de Cristo foi tantas vezes afetada pela divisão, desânimo, escárnio e até morte de cristãos, porque seus diversos grupos agiram como o apóstolo antes da conversão. Abandonaram a sensatez e o equilíbrio e se agarraram no radicalismo religioso.

Esqueceram-se das palavras do mesmo apóstolo Paulo que já não se fundamentava mais em suas próprias certezas, mas no amor de Deus:  “…e ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse amor, nada seria. O amor é sofredor, é benigno… tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta…” 1 Coríntios 13:2,4-8.

Acessando as redes sociais, youtube e outros veículos de comunicação, principalmente na internet, verificamos quanta intolerância e escárnio entre os cristãos.  

Precisamos buscar o equilíbrio. A sensatez. É muito importante termos vários grupos com pensamentos diversos.  Não seria estranho todos pensarem igual, diante da multiforme graça de Deus? É exatamente a abundância de correntes teológicas e opiniões diferentes que obrigam os nossos mestres e doutores a se aprofundarem no conhecimento, para provarem suas teses.

Celebremos as diferenças!!! Amemos uns aos outros!!! Respeitar as diferentes opiniões é a prova de maturidade cristã. Arminianos não precisam ofender reformados e vice-versa. Esquerda e direita devem ser encaradas, apenas, como pontos de vista diferentes:  “Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, discorria como menino, mas, logo que cheguei a ser homem, acabei com as coisas de menino.” 1 Coríntios 13:11.

Quando pensar em brigar, ofender, etc, por causa de uma opinião diferente, tolere, ame! Você não pode dizer que não consegue amar, porque “o amor de Deus está derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado.”  Romanos 5:5.

Finalmente, lembre-se: O amor do Eterno é a maior certeza que nós podemos ter, porque “o amor é paciente, o amor é bondoso. Não inveja, não se vangloria, não se orgulha. Não maltrata, não procura seus interesses, não se ira facilmente, não guarda rancor. O amor não se alegra com a injustiça, mas se alegra com a verdade. Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.” I Cor 13.4-7

Pense nisso!!!

Até a próxima!!!

Deus o abençoe!!!

                                                                                                         

Elias Silvio

Notas

J. Williams, David. Atos, Novo Comentário Bíblico Contemporâneo. São Paulo: Editora Vida, 1985.

H. Gundry Robert. Panorama do Novo Testamento. São Paulo: Edições Vida Nova, 1978.

Craig S. Keener. Comentário Bíblico Atos, Novo Testamento. São Paulo: Editora Atos, 2004.

Stott, John R. W. A mensagem de Atos. Até os confins da terra. São Paulo: ABU Editora S /C, 1990.
Kistemaker, Simon J. Comentário do Novo Testamento – Exposição de Atos dos Apóstolos. Editora Cultura Cristã, 2003.

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